António Mota

A CORUJA BRANCA
1.
Já morremos muitas vezes.
Somos feitos de água.
Somos a chuva que caiu
mas que não cai nunca mais.
Só chovemos uma vez.
Corre o rio para o mar.
2.
Ouvimos de repente
a ressoar-nos dentro
de surpresa
a canção branca
a dizer-nos
nunca mais agora aqui,
e morremos ali,
sentando lembranças,
nas margens
do rio que avança.
3.
Morremos em cada lugar,
a cada momento,
em cada poema que escrevemos
e em cada um que não.
Morremos do que aprendemos
e do que esquecemos
E do que ganhamos
e do que perdemos.
São os dias que somamos
os dias a menos que temos.
4.
Sempre quando canta
a coruja branca,
deixamos pedaços
nas margens sentados
nas curvas dia, nas curvas da vida
da nossa viagem
e o rio passa,
muito devagar,
com saudades do que fica,
sem vontade de chegar.
5.
Já morremos muitas vezes.
Somos feitos de água
Somos a chuva que caiu
Mas que não cai nunca mais
Só chovemos uma vez.
Corre o rio para o mar.
António Mota